" Sinto que não sou mais a mesma. Não tenho vontade de fazer nada. Já perdi 12 quilos desde que comecei a fumar crack. Foi um namorado que me iniciou nisto. Ele morreu de AIDS há dois meses. Não sei se estou com a doença, mas não faz diferença. Acho que cheguei ao fundo do poço. Se soubesse, nunca teria entrado nesssa, mas não sinto vontade de parar. Esta é a primeira vez que sou presa. Não importa. Não sou traficante, só entrego alguns papelotes para livrar o meu. Não sei o nome do fornecedor. Não sei o que vai acontecer comigo. Tenho 20 anos, minha família é do interior de São Paulo. Meus pais acham que ainda estou na faculdade, mas há dois anos que não sei o que é aula. De vez em quando eu escrevo para eles. É bem verdade que a última carta foi há seis meses. Mas acho que estão felizes."
" Eu chego a cavar trinta covas por dia. Em dias de calor, fico extremamente cansado. Não é qualquer um que aguenta este serviço não. Muitos não ficaram nem uma semana. Cova rasa mesmo, principalmente na parte de indigentes. Trabalho aqui há mais de dez anos. Antigamente eu só enterrava velho. Agora, a maioria é adolescente 15 , 16 anos. Poderiam ser meu filho. Uma lástima."
" Ninguém sabe o que é ter um filho que se droga. Ele me bate, exige dinheiro do meu marido. Mês passado gastou mais de 10 mil com cocaína. Passei a lhe dar dinheiro para que ele parasse de roubar em casa. Não sei se agi errado por não tê-lo jogado na rua desde o início. É que sempre achei possível colocá-lo no caminho certo - desde que descobrimos um pacotinho de maconha escondido quando ele tinha 17 anos. Hoje eu o deixo se drogar em casa, aqui em Copacabana, para que não faça nenhuma besteira na rua. Mas às vezes parece que tenho um louco aqui dentro. Já chamei a polícia para levá-lo, mas eles dizem que ele precisa é de tratamento."
" Desde que o meu filho começou a usar crack tudo piorou. Começou a roubar turistas em Copacabana, celulares na Av. Rio Branco, às vezes rouba mil reais por dia, tudo para a droga. Já chegou a ficar dois meses fora de casa. Já perdia a conta de quantas passagens ele tem por delegacias, antes dos quinze anos já carregava dois assassinatos nas costas. Não sei como ainda está vivo. Na última fuga da cadeia, deram dois tiros no meu filhinho e ele quase passou desta para melhor. E ele só tem 19 aninhos. A minha última loucura foi fazer um cartaz com o nome dele e uma foto e para procurá-lo na central do brasil, quando fica muito tempo sem dar notícias."
" Numa batida de rotina vi um Escort parado, com três jovens dentro. De longe, mas de binóculo, percebi que iam se drogar. Esperei um pouco para dar um flagrante. Não deu outra: quando eles começaram, eu saí com meu carro fazendo poeira 'polícia'!, gritei, abrindo a porta do carro deles. O rapaz ao volante estava com uma seringa na mão pronto para o pico.'Fica parado aí ', eu disse. O carinha um tipo bem apresentável, de uns 22 anos tremia todo. Me implorou para que eu o deixasse injetar aquela merda: ' Eu vou morrer, por favor, uma vez só!' Parecia um cachorro esfomeado diante de um prato de carne e sem poder comer. Acho que se eu não o deixasse se injetar ele morria ali mesmo. Depois vim a saber que era filho de um empresário forte, muito forte. Para você ver que a droga não respeita idade, sexo ou classe social. O cara pegou a seringa, arregaçou a manga e mandou ver. Na primeira ele errou a veia, esguichou sangue. Mas, na segunda, foi na mosca. Aí ele deu aquela acalmada e me agradeceu mil vezes. Já estava na fase em que não dá para ficar mais de duas horas sem a droga. A última notícia que tive dele foi a de que estava no hospital - tinha sofrido uma parada cardíaca."
" O rapaz veio acompanhado da mãe. Quase não falava, demorava para responder, às vezes parecia não estar ali. Duas semanas antes, estivera internado num hospital com duas paradas cardíacas depois de injetar cocaína 20 horas seguidas. Era um milagre estar vivo. A mãe me disse que, naquele dia, ele havia gasto todo o seu salário comprando 15 gramas de pó. Reparei que o braço direito dele estava estava todo perfurado, cheio de manchas rochas e com caroços enormes, que pareciam berne de gado. O esquerdo estava na mesma situação, só que com um grande corte feito a gilete, infeccionado. Era evidente que as veia já estavam esclerosadas. Tinha começado a injetar cocaína aos 16 anos e estava com 25, mas não sei se chegará aos 30"
" O movimento maior é por volta das 18 horas na saída do trabalho. Quando o trem pára, dezenas de pessoas descem direto na boca de fumo do jacaré. Nessa hora que a droga mostra a sua verdadeira face, estudadantes, donas de casa, idosos, mulheres grávidas, a maioria se droga aqui mesmo, para não se pego em flagrante pela polícia. Os traficantes gritam, como numa feira livre, preços variados, são mais de cinco bocas de fumo na favela, têm dias que não dá conta de tanto viciado."
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