domingo, 24 de maio de 2009

Diário de uma descasada, por Amanda Flores

Uma semana separada, ufa. Nunca pensei que fosse tão difícil. Durante toda a minha vida, pautei a minha vida sob os desejos de um homem. Se fazia um bife, o maior pedaço era o dele. Se ia ao cinema, ele escolhia o filme. A louça... eu lavava. Internet, só quando ele não estava. Na cama, só o que ele gostava. Gente, eu era uma Amélia em pleno século XXI.
Estou me sentindo como uma ex-presidiária redescobrindo a liberdade. Tenho até um pouco de medo de sair sozinha. Não sei como está o mercado. Não sei nem para aonde ir. Os bares e casas noturnas ainda tem preconceito com mulheres sozinhas? Acredito que sim. Preciso ligar para alguma amiga. Ontem um( como eu que falo? Cara, rapaz, homem? Estou meio desatualizada) ficou me olhando insistentemente quando eu passei próximo ao Rio Sul. Olhei para trás um pouco encabulada, ele fez que fosse que me seguir, quase saí correndo. Meu coração bateu forte. Ainda bem que eu estava com uma amiga. Ela estava falando no celular, nem percebeu. Na verdade se ele viesse na minha direção, eu acho que eu desmaiava. Parecia uma adolescente.
Pensando bem, acho que foi até melhor. Eu ainda estou muito machucada, magoada, juntando os caquinhos. Não sei se seria o melhor momento para iniciar alguma coisa. Preciso de um tempo para cuidar de mim, fazer uma yoga, dormir até mais tarde, ler um livro.
Gato escaldado, tem medo de água fria.
Ah, essa eu li no GLOBO esta semana:
A garota passeava no calçadão quando viu um menino de rua cheirando cola. Se assustou:
- Não se preocupa, eu não roubo NEXTEL não.

A que ponto chegamos.

sábado, 23 de maio de 2009

No woman, no cry por Amanda Flores

Gente, eu não sei vocês, mas eu sou uma manteiga derretida. Choro por qualquer coisa. Choro em casamentos, velórios, nascimento de bebê, divórcio, formaturas, Susan Boyle, no final do filme, no pôr do sol, menino de rua, shows...
Esta semana chorei vendo Marley e Eu, vendo um bandido inconsciente sendo espancado por policiais no Alabama, ao ler sobre a história do brasileiro Lúcio Oda que se enforcou em Massachusetts no dia 14, ao saber que um colega de trabalho assinou um aviso, ao visualizar a possibilidade de uma hispânica integrar a Suprema Corte americana, com o sofrimento dos desabrigados do Nordeste, assistindo a um vídeo do presidente da Soka Gakkai, Daisaku Ikeda...
E eu acho que isto é de família, pois somos todos chorões. Certa vez, li uma reportagem associando esta característica aos latinos, acompanhada da impulsividade. Ao longo do tempo, tenho tentado controlar minhas emoções, em alguns momentos elas acabam por denunciar-me, alguns julgam sinal de fraqueza.
De fato, mais importante que a emoção, são as ações que tomamos para mudar determinadas situações. De nada adianta emocionar-se, principalmente com as injustiças, e não fazer nada para mudar.

" Não pergunte o que seu país pode fazer por você, e sim, o que você pode fazer pelo seu país."
John Fitzgerald Kennedy

sexta-feira, 22 de maio de 2009

André Gonçalves

Alguns dizem que ele tem feeling. Outros chamam de fair-play. Muitos dizem que ele é cool. Ou será que é o joie de vivre ? Afinal, qual é o segredo de André Gonçalves ? Para quem não sabe eu conto tudinho.
Eu o conheci em 1997 no extinto Jumping Jack. Na ocasião, ele estava a todo vapor, cantando uma louraça no bar. E como ele consegue ?
Fácil, o André faz o que nenhum homem faz. É gentil, educado, cortês, bem-humorado, carinhoso, enfim um gentleman. E o mais importante, não fala de relacionamentos anteriores.
Não tem como não se apaixonar. Não reclama de nada, não fala mal de ninguém, não conta vantagem e sobretudo, não larga a mulher para ficar asstindo aos gols da rodada. Um verdadeiro Don Juan.
Quando a mulher sai com ele, é como se não existisse mais nada no mundo: ela se sente especial. No universo dele existe apenas a mulher apaixonada. Alguns amigos me dizem: mas Rodrigo, eu também faço isso.
Faz sim, na hora da conquista, antes de levar para a cama. O André é assim 24 horas. E dorme sorrindo. Uma vez eu estava numa festa no Recreio, um aniversário de um global que um amigo me levou, todo mundo bêbado. Em determinado momento, o André cochilou: estava sorrindo. Se alguém me contasse, não acreditava. Acorda mais cedo para preparar o café, traz na cama, massagem no pé, cafuné, paga a conta, abraça por trás e escova o dente, lava o cabelo. E repara na maquiagem, diz que tá linda, chora junto vendo comédia romântica, pede desculpa quando erra.
Formação? Nenhuma, ele é assim. Nasceu e foi criado na favela, mas não faz disso uma bandeira. Não ganha horrores, mas também não se faz de coitadinho.
Na sua rede já deitaram Cíntia Benini, Myrian Rios, Renata Sorrah, Alessandra Negrinni, Teresa Seiblitz, Carol Machado... A felizarda da vez é a sua colega de Caminho das Índias, Letícia Sabatella.
E os invejosos dizem: você fala assim porque não está com ele o tempo todo, ninguém pode ser tão bom assim. Quer laboratório melhor do que um reality show? No começo as pessoas até tentam compor um personagem, uma semana depois mostram o verdadeiro aspecto.
Na Casa dos Artistas ele era tudo aquilo e mais um pouco, lavava até a louça. Cíntia Benini não perdeu tempo.
E acaba sendo um ótimo exemplo para muitos estereótipos.
Mulher só gosta de homem bonito: ele não é feio, mas também não é nenhum Brad Pitt.
Mulher só gosta de dinheiro: a maioria das mulheres com quem ele se relacionou ganha(muito)mais do que ele.
Mulher gosta de homem bombado: que eu saiba, o único exercício que ele gosta é o levantamento de copo.
Agora tem um outro segredo que pouca gente sabe. Mas eu revelo aqui para os meus leitores.
Se você não tem nenhuma das qualidades anteriores, pode usar este último recurso, que atende pelo nome de SEXO TÂNTRICO.
Não sabe o que é ? Procura lá no GOOGLE.


" A melhor parte do amor é perder todo o senso de realidade."
Don Juan De Marco

Epílogo, por Amanda Flores.

Existem sentimentos que são impossíveis de serem expressados pelos homens. Não são confiáveis. Eu particularmente, prefiro a primeira pessoa. Por tudo isto apresento-lhes meu alter-ego, Amanda Flores. A partir de hoje, dividirá comigo a responsabilidade de escrever o blog.
" Hoje meu casamento acabou. Eu o sustentei por mais de dez anos. Sim, sustentei pois foi um fardo desde o início. Apesar de não estar ainda na meia-idade, nasci velha pois ainda acreditava que uma mulher tinha esse poder: mudar um homem.
Ninguém muda ninguém. Esta é uma decisão solitária. Durante todo este tempo, tive paciência, dialoguei, conversei, engoli sapos( minha garganta virou um brejo), suportei halitoses, álcool, drogas, falta de grana, desemprego, falta de sexo( oh, quantas noites!), humilhações, grosserias e o pior de tudo: a indiferença.
Ouvi pacientemente os pedidos de perdão, inúmeros, acreditei neles, cuidei na doença, na alegria, na tristeza, até cuecas lavei, coisa que mamãe nunca fez por papai. Enfim, fui me anulando como mulher, como cidadã, como ser humano. Quando olhei pacientemente no espelho, notei rugas, olheiras, já não era uma garotinha.
Mas apesar de tudo, bonita. Céus, eu ainda estava bonita. Não tinha barriga, nem celulite, raridade, apenas o cabelo perdeu um pouco do volume, a pele ressecada. Os homens ainda me olhavam na rua: era desejada.
Como deixei a situação chegar a este ponto? Agora entendo. Dentro de mim, ainda acreditava que casamento era para sempre. Sustentava-o como um mausoléu a ser cuidado, como se fosse um troféu. Só mulher faz isto, ainda por cima com orgulho: tenho tantos anos de casamento. Lembro-me de mamãe, sustentou a tristeza por vinte e cinco longos anos, até papai morrer. Minha tia também. E vovó. Nossa. Como eu as admiro. Como conseguiram ?
Lembrei de Malu Mulher, Susan Surandon em O Cliente. Hoje sinto-me livre. Coincidentemente, ao visualizar um pára-choque de caminhão, a frase mexeu comigo. "Não desanime, pois até um pé na bunda, leva você pra frente."
Hoje percebo claramente que ninguém é de ninguém. Não existe metade da laranja, alma gêmea, príncipe encantado, felizes para sempre. Mais importante que estar apaixonada, é respeito, dignidade, companheirismo, caráter(não existe mau-caráter,
assim como bom caráter: ou você tem caráter ou não tem); e acima de tudo confiança. Confiança é tudo. E taí uma coisa que eu nunca tive, sempre dormindo com o inimigo.
Fica o aprendizado.
- Por que caímos papai ?
- Para aprendermos a levantar.

" Ninguém pode fazer você se sentir inferior, sem o seu consentimento."
Eleanor Roosevelt

domingo, 17 de maio de 2009

Seu Manoel

Os passos são firmes, vigorosos. E rápidos. É encantador. Ele tem 83 anos. E trabalha. Todos os dias. Segunda à sábado. 12 às 22:00 hs. Trabalho braçal. É porteiro, zelador, faxineiro, pintor, jardineiro...
Quando o conheci , há uns 7 anos, eu pensava que trabalhava tanto para matar o tempo, fugir da rotina doméstica. E também não pensava que fosse tão idoso. Julgava no máximo 65. Virtudes da cor negra. Mas ainda faz planos. Quer reformar a casa. Comprar uns móveis novos.
Reservado, fala tão pouco. Há um ano descobri que sofreu um grande revese. Foi lesado por uma de suas filhas, , sua procuradora. A larápia fez empréstimos, comprou móveis, eletrodomésticos, roupas, tudo na conta do velhinho. E fugiu.
Foi uma das piores decepções da sua vida. Por isso trabalha tanto, precisa limpar o próprio nome.
Ontem o flagrei rabiscando uns palpites de loteria. Tomara que ganhe. Merece muito mais do que eu.

Mea Culpa

Jornalista pedindo desculpa é tão raro que a gente logo pensa: não deve ser jornalista. E não era mesmo. Na Veja então, muito menos. O episódio aconteceu na Vejinha. Calma, eu explico.
Na Veja da semana passada, Fernanda Torres, que é colunista, publicou um mea-culpa endereçado ao recém-falecido diretor de teatro Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido. Estava com remorso por ter escrito uma coluna citando a obra dele sem ao menos ter lido. Como não dá para pedir desculpa aos mortos, compreende-se o drama.
Eu fiquei comovido, porque quase ninguém faz isso. Dos jornais que eu leio, apenas a Folha. O Globo publica a réplica ao lado da tréplica. A Veja, às vezes, publica a réplica, também sempre com a tréplica. Mea Culpa de verdade mesmo, só a Folha.
E é uma coisa tão humana, tão essencial. Não tem nem duas semanas que o Supremo revogou a jurássica Lei de imprensa. Se por um lado foi bom, velho resquício da ditadura, agora não temos um parâmetro a nos nortear.
E precisamos, pois muitos jornalistas comportam-se como juízes ou piores, distorcendo entrevistas, publicando boatos, mentiras, com a certeza da impunidade. Às vezes destroem carreiras ou reputações. Ou ambas.
O que resta, ás vezes, é a mais fina ironia como no caso da Navratilova.
Martina Navratilova já havia escrito seu nome no Hall das maiores tenistas de todos os tempos, assim como uma grande ativista dos direitos dos homosexuais, quando um repórter perguntou :
- E aí Martina, continua lésbica ?
- Sim, enquanto a opção forem homens como você.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A roda da fortuna

Quem comentou foi a Marcinha na festa de um ex-BBB na Pampa Grill.
- É o sonho de toda Maria chuteira.
Como a minha visão estava meio turva, não consegui visualizar a próxima vítima.
- Cê tá falando de quem ?
- Está vendo aquele mulatinho ali, com o boné virado para trás e dentes metálicos ? Mal completou 18 anos. Está na idade boa.
- Boa ? Boa para quê ?
- Ora pra quê, Rodrigo. O que você acha que vim fazer aqui ? Comer brigadeiro, bombocado ou outros desses doces vagabundos de quermesse de paróquia suburbana ? Esperar dar uma hora da manhã, quando o anfitrião servirá esta torta vagabunda de padaria ? Preciso garantir o meu futuro.
- Futuro que eu saiba se garante na escola.
- Se eu gostasse de estudar, com certeza. Mas só de pensar em livro, fico toda empolada.
- Betty Friedan deve estar se revirando no túmulo.
- Esses novinhos são os melhores, ingênuos, não sabem a diferença entre loura natural e a de farmácia: tudo é novidade. São uns deslumbrados, gastam sem pena. Depois fica mais difícil.
- Como assim ?
- Ah Rô depois vem os empresários, procuradores, dirigentes esportivos ou até eles mesmos que já conhecem os nossos truques.
- Truques ?
- Truque, artimanha, mandinga ou coisa que o valha. Nem aceitam as nossas camisinhas.
- Por quê ?
- Seu bobinho, Maria chuteira que se preza não sai de casa sem um estoque de camisinhas. Furadas na ponta, naturalmente.
- Furadas na ponta ? Eu não sabia que vendiam camisinhas furadas.
- É claro que não né, Rô. Nós é que as furamos com uma agulha de costura.
- Que horror.
- Horror mesmo. Agora tudo ficou mais difícil. Depois do Novo Código Civil acabaram-se os casamentos por comunhão de bens. O único golp..digo jeito é.. o da barriga.
- É essa idéia que você faz da maternidade ?
- Criar filho custa caro. E é uma luta diária. Você sabe quantos treinos, jogos, peladas e afins eu tenho que assistir, cada dia num clube diferente? Para cada craque que eu jogo um charme, dez perna de paus que eu tenho que enxotar. Isto sem contar as festas chinfrins como esta aqui. Imagine que eu fui informada que este ex-BBB ia fechar a Pampa Grill; quando chego aqui esta mesinha mequetrefe cedida em troca de umas fotos na Caras da semana que vem.
- Estou vendo como o seu trabalho é árduo!
- E o pior de tudo são as conversas. Pagode, churrasco, cerveja, funk, mulher melancia. Só rezando muito pra minha santa padroeira.
- Desde quando você tem santa padroeira ?
- Tenho sim, eu e todas as marias-chuteiras deste Brasil varonil. A nossa Santa-Mor que nos incentiva e protege. Santinha Milene Domingues.
- Milene Domingues ? Não é a ex-mulher do Ronaldo Fenômeno ?
- Sim, ela mesmo, nossa ídola. Competentíssima, engravidou em menos de duas semanas. Que exemplo! Não durmo sem acender uma vela.
- Inacreditável. É o cúmulo.
- Um exemplo a ser seguido, ao contrário da outra, a burralda. Eu não dou uma sorte dessas.
- Que outra.
- Como que outra, a Susana Werner, né ? Ficou dois anos com o Ronaldinho e não teve a competência de fazer um filho.
- Mas ela não casou com um outro jogador, como é mesmo o nome dele... eu acho que jogou no Flamengo.
- Júlio César, goleiro.
Não tem nem comparação. Perto do Ronaldo, Júlio César é segundona né, grupo de acesso. Eu quero é desfilar no grupo especial, no desfile das campeãs, seleção brasileira. Por que eu comeria sardinha, se posso experimentar caviar.
- Tu não toma jeito Marcinha.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Infidelidade

Beatriz bateu lá em casa tarde da noite.
Rô, preciso de você.
- O que você não me pede sorrindo que eu não faço chorando.
- Sério, descobri que o Bruno está me traindo.
- Lá vem você com jornal de ontem, tu não sabe que eu detesto
ler notícia velha.
- Vai me dizer que você já sabia ?
- Chérie, você não. Tu não é nenhuma garotinha. Homem fiel ? Até existe, mas é igual a Roberto Carlos de bermuda ou entrevistado do IBOPE: ninguém nunca viu.
- Tô passada.
- Tô brincando, é claro que existem homens fiéis, não são fáceis de encontrar, mas você não pode desistir.
- Tu sabe o que ele me sugeriu? Relacionamento aberto.
- E tu não caiu nesta não, né? Realmente eu preciso conversar com você, tá mais por fora do que cueca de super-homem. Deixa eu te explicar uma coisa: a traição em si não é o pior de tudo, a proposta indecorosa, sim. Se ao menos ele tivesse proposto no início do relacionamento, logo que te connheceu, teria sido honesto. A esta altura do campeonato?
- Mas ele disse que não consegue ficar com uma mulher só.
- E eu acredito, mas por que não falou isto antes?Só agora que você descobriu a infidelidade?
É aí onde acaba e começa toda a cretinice. A pior traição é a deliberada, planejada. Se ele já começou mentindo, dificilmente mudará. É como os botões de uma camisa. Errou um, erram-se todos. E quanto a relacionamento aberto, Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre já tentaram isso meio século atrás e hoje todos nós sabemos que era uma grande farsa.
Você me fez lembra uma entrevista da Marília Pêra, uns vinte anos atrás, onde o repórter perguntava se ela já tinha experimentado essa, digamos " amizade colorida ".
Ela respondeu sem pestanejar.
- Meu coração não aguenta.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Clube da Luta

Ainda sinto saudade, tanto tempo não a vejo. Meiga, romântica, fazia uma feijoada maravilhosa. Quase não falava de si mesma, mas um dia baixou a guarda. No fundo guardava uma melancolia.
- Ah Rodrigo, foi há tanto tempo. Eu era apaixonada pelo César.
- Quanto tempo ?
- Uns trinta anos.
- Sério ?
- Eu estou com 59.
- Não parece, eu não daria 50.
- Bondade sua, seu bobo. O fato é que mesmo depois de tudo o que aconteceu, às vezes eu ainda sonho com ele. Acredita ? Se não fosse aquela....tragédia. Acho que um de nós dois teria matado o outro.
- Tragédia? Como assim?
- Eu era uma adolescente magrinha, pernas de gambito mesmo, com um rabo de cavalo que ia até a altura da da cintura. Meus seios eram dois botões mirrados e ainda por cima cheia de espinhas. Tímida, quase não fazia amizade com as outras garotas. Até hoje não sei o que o César viu em mim.
Ele era órfão de mãe, e viva com uns tios no final da minha rua. Bonitão, com um cabelos louros ondulados, duns olhos verde-musgo, as garotas caíam em cima.
Um dia minha mãe fez um bingo lá em casa para arrecadar fundos para a paróquia do padre Ernesto. Eu ajudei a preparar uns doces, bolos e alguns salgadinhos para as pessoas beliscarem.
Tinha umas meninas ciscando para o lado dele, mas não saía do lado dos meus docinhos.
Por incrível que pareça em menos de seis meses estávamos casados, quem diria, naquela época as meninas ainda se levavam a sério.
Foi então que começou o meu inferno. Ele arranjou um emprego de mecânico em uma empresa de ônibus e após o trabalho parava no primeiro bar que encontrava pela frente. Mas isso era o de menos. Era um galinha incorrigível, cantava até vassoura encostada na porta.
Eu não conseguia dormir, ia atrás dele de bar em bar, armava escândalos, trancava a porta, ele arrombava e então brigávamos, quebrávamos tudo, fregueses constantes que éramos da delegacia do bairro.
Cansei de prestar queixa, para depois no dia seguinte retirar tudo. Ele dizia que ia parar, mas no dia seguinte começava tudo de novo.
Uma vez quase nos matamos, ele me empurrou, eu bati com a cabeça na mesa;começou a sangrar. Quando chegou perto para ver o que era, eu o esfaqueei na barriga.
Quando chegamos ao hospital, levado pelos vizinhos, a cena era hilária, trocávamos juras de amor, separados por tendas, preocupados que estávamos em perder um ao outro.
Ainda assim, vivendo como gato e rato, ficaríamos dez anos, hoje acredito que nunca teria coragem de deixá-lo, era pior que um vício.
Um dia eu estava em casa, olhando no relógio já preocupada porque ele não chegava, quando a notícia que eu menos esperava chegou: tantas vezes eu imaginei perdê-lo, mas para outra.
Ele estava consertando um ônibus, quando o mecanismo que mantinha suspenso o mesmo falhou, esmagando-o.
O pior de tudo para mim, é que não pude me despedir, pedir desculpa, como se fosse preciso, um adeus, sei lá.
Doei a maioria das roupas, objetos, ele já tinha sido tão marcante para mim, acabei relembrando Shakespeare:
" Guardar algo para que eu possa recordar-te, seria admitir que eu pudesse esquecer-te."