sexta-feira, 25 de maio de 2012

Cada um no seu quadrado, por Amanda Flores.

   Não sei porque todo mundo que eu conheço quer morar comigo.

   O Mauricio era um daqueles caras encantadores que poucas vezes surgem na vida de uma mulher.  Bonito, espirituoso, bem-humorado.  Mas não bastou para me convencer:
   - Casa comigo ?
   - Cê tá brincando.
   - Nunca falei tão sério em toda a minha vida.
   - Você mal me conhece.
   - Conheço o suficiente para saber que você é perfeita pra mim.
   - Deixa eu ver se eu entendi. You and me, day by day ?
   - Yes.
   - Faz-me rir.
   - É engraçado?
   - Demais.  Você não sabe o que está falando.
   - Eu falo sério.
   - Tá bom eu acordando ao seu lado, todo dia. Não, não pode.  Você vai me ver sem maquiagem.
   - E qual o problema ?
   - Ninguém me vê sem maquiagem.
   - Que bobagem!
   -  Eu não saio sem maquiagem. Nem para ir na padaria. Eu acho que nem a empregada me viu sem maquiagem.
   - Mas você é linda.
   - Noventa por cento sai com água e sabão.
   - Hã ?
   - Noventa por cento da beleza de noventa por cento da mulheres sai com água e sabão.
   - Exagerada.
   - É verdade, eu sou insuportável.
   - Pára de falar besteira, você é maravilhosa.
   - Eu tenho TPM
   - Toda mulher tem.
   - Mas eu tenho pré e pós.
   - Como assim ?
   - Pré-menstrual e Pós-menstrual.
   - Eu estou apaixonado por você.
   - Você não desiste, né?

    Eu consegui enrolar o Mau por seis meses.  Então ele viu o O Poderoso Chefão e me fez  uma proposta irrecusável. Comprou um apartamento lindo, decorou do meu jeito, um quarto pra ele e outro pra mim - para o dia em que você não estiver afim de olhar para a cara de ninguém  nem da minha - e ainda colocou no meu nome. Não tinha como resistir né ?

   Ele foi o único cara que me aturou.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

On the road - Na estrada

   Pegamos a estrada e fomos...

   Tenho uma natureza reclusa.  Detesto sair de casa, shows de preferência os que duram duas horas, sou o primeiro a ir embora das festas.  Fui feito para a retidão do lar, para a contemplação, sessões de leitura, meditação, boa comida e dormir.   Só que chega uma hora que é preciso sair da toca. E foi o que fizemos, Alessandro, Paulo e eu.
   Com o argumento de visitar  uns clientes no Norte Fluminense, rodamos quase mil quilômetros por lugares paradisíacos. Eu nunca tinha feito uma viagem tão longa de carro.  E foi maravilhoso. Fazendas, pradarias, canaviais imensos, casas de tijolo aparente, lagos pequenos e grandes, alguns formados pelas chuva intermitente.  Bosques, olarias, plantações de eucalipto, haras, muros caiados em residências que pareciam perdidas no tempo.  Ruas de paralelepipedos, carros fora de linha, estradas de  barro, praias com mares revoltos, galinhas poedeiras e  sotaques peculiares.
   E as crianças?  Todas lindas, risonhas, serelepes, perguntando o tempo todo sobre tudo, acompanhadas de professoras encantadoras e pacientes, ensinando, limpando, alimentando-as.  Ainda se via nas praças os parquinhos, alguns centenários, assim como as árvores e seus pardais que vinham  comer quase na nossa mão.  E a culinária belíssima, de bolos e pães artesanais, frutas colhidas no pé, cafés com leite inigualáveis e almoços espetaculares numa orgia gastronômica que me custará quinze dias de dieta, no mínimo.
   Ouvindo Barry White, íamos admirando a vegetação e seus vários tons de verde: claro, escuro, musgo, oliva.Quilômetros e quilômetros, alta voltagem, com pausa para dormir em hotéis de beira de estrada, mas confortáveis, num sono reparador para a longa viagem.


Voltei pro Rio energizado.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Diário de bordo

   Meu amigo Y. esteve aqui em casa hoje.  Com ele pude compartilhar os encantos da filosofia budista.  Realmente para um carioca sair de casa, num frio deste e com chuva, só estando muito interessado.  Ainda mais falando de religião.  O engraçado é que eu estou passando por um momento difícil, com o meu transtorno tentando me derrubar, e não conseguindo, e esta visita foi maravilhosa.
   Conversamos sobre o conceito de karma, vidas passadas, fé, prática, indumentária e termologias.  O que mais me impressionou foi a sua profunda curiosidade sobre todas as questões e a vontade de compartilhá-la.  Confesso que esses encontros são extremamente recompensadores, porque renovam a esperança, espiritualizam e tranquilizam meu espírito.
  Por uma hora e meia, pudemos trocar experiências de vida, histórias e, acima de tudo, iniciar uma amizade verdadeira, independente de nossas origens, e acredito que descobrimos muitas coisas em comum.
  Por fim, ele saiu decidido a iniciar a recitação do mantra, o que me deixou muito feliz.

  Quando ele foi embora a chuva continuou caindo torrencialmente.  Mas o meu coração estava na mais profunda paz.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Soneto de separação, por Vinicius de Moraes

   De repente do riso fez-se o pranto
   Silencioso e branco como a bruma
   E das bocas unidas fez-se a espuma
   E das mãos espalmadas fez-se o espanto

   De repente da calma fez-se o vento
   Que dos olhos desfez a última chama
   E da paixão fez-se o pressentimento
   E do momento imóvel fez-se o drama

   De repente, não mais que de repente
   Fez-se de triste o que se fez amante
   E de sozinho o que se fez contente

   Fez-se do amigo próximo o distante
   Fez-se da vida uma aventura errante
   De repente, não mais que de repente.


   Vinicius de Moraes

 

Eu faria qualquer coisa por você

   Já tinha tentado de tudo: bombons, flores, presentes, serenatas.  Mandou bilhetes, escreveu cartas, foi na cartomante, acendeu velas, simpatias.  Escreveu poemas, músicas, dedicatórias, assim como tinha intercedido à mãe e às amigas.  Nem por um momento pensou em desistir, assim como não acreditou que tais sacrifícicios seriam inúteis.
   Tinha conseguido sorrisos, poucos é verdade, mas recompensadores. Não era o bastante.  Precisava do mesmo ar, da convivência, da rotina benfazeja, abraços e cobertores. Não era de encontros esparsos, tampouco furtivos, em portões de horários inoportunos, muito menos noivados prolongados.
   Tais insistências apenas faziam aumentar a angústia de um romance não começado.  E quanto mais o tempo passava, a ansiedade tomava-lhe o peito, sufocando-o, tirando-lhe o sono, estragando os estudos.  Chegou um momento que já não vivia; esqueceu a fome, a sede, os compromissos.  A mãe tomou-lhe a pulso: não permitirei que insistas neste loucura.
   Por fim, adoeceu.  A pneumonia baixou-lhe a guarda, sumiu por duas semanas, a febre intermitente, a internação em local ignorado.  Ela sentiu a falta: será que não vem mais, faz tempo que não vejo, o que terá acontecido?
   A possibilidade de nunca mais vê-lo aterrorizou-a.  Não eram próximos, nem estudavam juntos, como procurá-lo?  E então percebeu que já o amava, pelo simples temor de nunca mais vêlo; moveu céus e terras para achá-lo..
   Encontrou-o depois de cinco dias, arfante, agradecida, decidida a vivê-lo em cada momento.  Já não eram apenas promessas.  E deixou escapar as palavras, tantas vezes ensaiada.

- Eu faria qualquer coisa por você

Capitães da Areia, por Jorge Amado

   Como um trapezista de circo.


...Nunca, porém, o tinham amado pelo que ele era, menino abandonado, aleijado e triste. Muita gente o tinha odiado.  E ele odiara a todos.  Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele  é este o homem que corre em sua perseguição na figura dos guardas.  Se o levarem, o homem rirá de novo.  Não o levarão. Vêm em seus calcanhares, mas não o levarão.  Pensam que ele vai parar junto ao grande elevador. Mas Sem-Pernas não para.  Sobe para o pequeno muro, volve o rosto para os guardas que ainda  correm, ri com toda a força do seu ódio, cospe na cara de um que se aproxima estendendo os braços, se atira de costas no espaço como se fosse um trapezista de circo.
   A praça toda fica em suspenso por um momento.  " Se jogou", diz uma mulher, e desmaia.  Sem-Pernas se rebenta na montanha como um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio.  O cachorro late entre as grades do muro.

                                     Capitães da Areia, página 251.

domingo, 13 de maio de 2012

Mães

  E aguardava na porta do colégio, entre as copas da árvores, com ansiedade.  E esperava horas, a despeito da humilhação da revista íntima, nos presídios. Exames, consultas, alimentação, chá de bebê, 9 meses.  E chorava, ria, você é lindo, trocava fralda, preparava o café, passava a roupa, penteava o cabelo, abria a porta, mãe estou de volta, o casamento não deu certo, a casa é sua meu filho.
   Costurava para fora, comia por último, administrava os remédios, orava, buscava, levava, amamentava, dava conselhos.  Mas também brigava, colocava de castigo, só amanhã, você precisa me ouvir, arrumava a mochila, apertava o cadarço, ajeitava o cinto, abria a mochila, revirava os armários.
   Sim, ser mãe é não tirar férias, nunca, viver essa integralidade, é chorar junto, separado, correr, preocupar-se, engolir mágoas, rancores, não ser compreendida.  E ainda sim, fazer de tudo e um pouco mais, nesse instinto de sobrevivência tão puro, tão seu e tão incrível que faz que com que a vida do filho seja mais importante que a dela própria.  Afinal, quer preocupação maior do que o medo de ir embora cedo demais e não saber como os filhos viverão sem ela?
   Sim, a vida está cheia de milagres e a maternidade é o mais lindo deles, por mais necessário e, acima de tudo, inacreditável. Certa vez um cristão pronunciou:  " Deus quando criou o mundo, percebeu que não poderia estar em todos os lugares.  Então criou as mães."  É uma maneira simples e singela de homenageá-las.

O mundo seria um lugar terrível se não existissem as mães.

TDAH ou Visceral e Impulsivo

.... e se apaixonava, verdadeiramente, com declarações, presentes, melodias, para hoje e sempre.  Visualizava projetos, dedicava, escrevia, idolatrava por meses como nunca antes.  Acreditava, amigo, parceiro, confidências, fidelidade.   E dormia, transava bem, boa comida, pintava quadros, escolhia-os cuidadosamente, plantava flores, aspirava, desenhava-a, tão perfeita, presente pra você, nunca vi coisa tão linda, obrigado, e tortas de chocolate, surpresas, isqueiros acesos são velas, melhor do que luminárias e lamparinas.
   Era importante, sim, como nenhuma outra, assim como as recaídas.  E bebia, fumava, sumia, desligava o telefone, pedia demissão, gritava, viajava, leave me alone, desculpa, não foi assim, preciso pensar melhor, e quebrava tudo, e consertava tudo, e comprava tudo novo.  Eu sou louco eu sei, afaste-se de mim é melhor pra você, mas não entendo parecia tudo tão perfeito, e compravas discos para ouvir uma música, lia as revistas pelo final, pulava páginas e saía no meio do show, não terminava os cursos, e brigava com todos os amigos, e consigo mesmo, quebrava o espelho, e jogava tudo fora, e distribuía dinheiro.
   E contemplava árvores, e chorava com as crianças desamparadas, e aparecia de repente, saudade de você, pensei tanto, lembra-se dos nossos bons momentos, trazia bombons, tirava fotos, e dava-as, e a buscava de carro, abria a porta.
   São os primeiros dos suicidas,  pais precoces,  dependentes químicos,  artistas, dos que se vão, incontroláveis.  E orava por horas, ia para um retiro, enjoava, e então percebia que já não tinha para onde ir, pois não conseguia livrar-se de si mesmo.  E recomeçava a busca pelo trajeto, pela não-continuidade, amores passados, bóias e estrelas.

Pior do que conviver com um TDAH, é ser um TDAH.

sábado, 12 de maio de 2012

Não dá mais, por Pablo Santiago.

Eu já tentei de tudo
Mas agora já não dá mais
Confiei em seus sonhos
Te agarrei  em meus braços
Fui teu protetor
E você não entendeu

Agora já não dá mais
Não dá mais
Não dá mais

Você pode não acreditar
Mas houve um momento em
Em que eu pensei que você poderia
Ser a minha garotinha

Eu sei que houveram sorrisos
De algodão doce em parques de diversão
E olhares compartilhados no celular
Nós buscamos isso

Mas infelizmente, você jogou tudo fora
E dentro de mim esse caminho já não dá mais
Portanto

Já não dá mais
Não dá mais
Não dá mais

Jogue fora as minhas fotos
E não me procure mais
E eu tentarei guardar as boas lembranças
Das poucas vezes em que fomos felizes
Porque baby infelizmente

Não dá mais
Não dá mais

O Amor nos Tempos do Cólera, por Gabriel García Márquez

   " Santíssimo Sacramento! - gritou. - Vai se matar!
   O doutor Urbino agarrou o louro pelo pescoço com um suspiro de triunfo: ça y est.  Mas o largou de pronto, poque a escada resvalou sob seus pés e ele ficou um instante suspenso no ar, e então conseguiu perceber que se matava sem comunhão, sem tempo para se arrepender de nada nem se despedir de ninguém, às quatro e sete minutos da tarde de domingo de Pentecostes.
   Fermina Daza estava na cozinha provando a sopa para o jantar, quando ouviru o grito de horror de Digna Pardo e o alvoroço da criadagem da casa e depois da vizinhança.  Atirou a colher de pau e tratou de correr como pôde com o peso invencível da idade, gritando feito uma louca sem saber ainda o que acontecia debaixo da copa da mangueira e o coração lhe estorou em estilhaços quando viu seu homem estirado de costas no lodo, já morto em vida mas resistindo ainda um último minuto à chicotada final da cauda da morte para que ela sua mulher tivesse tempo de chegar.  Chegou à reconhecê-la no tumulto através das lagrimas da dor que jamais se repetiria de morrer sem ela, e a olhou pela última vez para todo o sempre com os mais luminosos, mais tristes e mais agradecidos olhos que ela jamais vira no rosto dele em meio século de vida em comum, e ainda conseguiu dizer-lhe com o último alento:
   - Só Deus sabe o quanto amei você. "


O Amor nos Tempos do Cólera, págs. 58 e 59.