sábado, 12 de maio de 2012

O Amor nos Tempos do Cólera, por Gabriel García Márquez

   " Santíssimo Sacramento! - gritou. - Vai se matar!
   O doutor Urbino agarrou o louro pelo pescoço com um suspiro de triunfo: ça y est.  Mas o largou de pronto, poque a escada resvalou sob seus pés e ele ficou um instante suspenso no ar, e então conseguiu perceber que se matava sem comunhão, sem tempo para se arrepender de nada nem se despedir de ninguém, às quatro e sete minutos da tarde de domingo de Pentecostes.
   Fermina Daza estava na cozinha provando a sopa para o jantar, quando ouviru o grito de horror de Digna Pardo e o alvoroço da criadagem da casa e depois da vizinhança.  Atirou a colher de pau e tratou de correr como pôde com o peso invencível da idade, gritando feito uma louca sem saber ainda o que acontecia debaixo da copa da mangueira e o coração lhe estorou em estilhaços quando viu seu homem estirado de costas no lodo, já morto em vida mas resistindo ainda um último minuto à chicotada final da cauda da morte para que ela sua mulher tivesse tempo de chegar.  Chegou à reconhecê-la no tumulto através das lagrimas da dor que jamais se repetiria de morrer sem ela, e a olhou pela última vez para todo o sempre com os mais luminosos, mais tristes e mais agradecidos olhos que ela jamais vira no rosto dele em meio século de vida em comum, e ainda conseguiu dizer-lhe com o último alento:
   - Só Deus sabe o quanto amei você. "


O Amor nos Tempos do Cólera, págs. 58 e 59.

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