domingo, 19 de outubro de 2008

Ônibus 174, Santo André

Naquele dia o Brasil parou. Repórteres, fotógrafos, populares, as pessoas em suas casas, pela tv. Em 12 de junho de 2000, Sandro do Nascimento, manteve por quatro horas os passageiros do ônibus 174 como reféns. Era final do expediente, e as pessoas saíam do trabalho e paravam na primeira esquina para acompanhar o drama, como numa final de copa do mundo.
Eu estudava à noite e assim que cheguei na escola, alguém descolou uma televisão e todos nós ficamos lá imóveis torcendo por um desfecho feliz, em especial para Geísa Firmo Gonçalves, a doce professorinha de uma pré-escola da Rocinha feita de escudo.
Místicamente, próximo à tv em que eu estava assistindo, alguém estava com o rádio ligado, indiferente a mais uma tragédia quotidiana. Era uma rádio de flashbacks. E sabem qual música estava tocando? Vida, interpretada por Fábio Jr. Para quem não conhece, eu vou postar um trecho da letra. É uma coincidência assombrosa.

"Pelas ruas da cidade, pessoas andam
num vai e vem
Não vêem o cair da tarde, vão nos seus passos
como reféns
De uma vida sem saída, vidas sem vida, mal ou bem
Pelos bancos desses parques, ninguém se toca
sem perceber
Que onde o sol se esconde, um horizonte tenta dizer
Que há sempre um novo dia, a cada dia em cada ser."

Numa ação desastrada da polícia, a refém Geísa não teve um novo horizonte. Hoje ainda falam
do Sandro, principalmente agora que vai estrear o novo filme de Bruno Barreto. Mas de Geísa, todos esqueceram.
E quando todos nós pensávamos que esta tragédia tinha ficado no passado, eis que Santo André surge, ainda mais aterradora, com suas longas 100 horas de duração, agora na vida da pequena Eloá, com o mesmo fim trágico, os erros da polícia ainda mais grotescos. Nunca em toda a história da literatura policial eu ouvir falar de um refém que tenha voltado ao cativeiro para servir de mediador.
Não é coincidência o fato de o opressor ser um homem e a vítima, mulher.Precisamos repensar o nosso conceito de relacionamento em que o homem tem todas as prerrogativas, ganham mais, tem os maiores privilégios e chamam esposas e namoradas de minha mulher.
Se todo homem buscar na sua família, encontrará uma mulher vítima da brutalidade masculina.
À ti, Eloá, dedico minhas orações, assim como a todas as mulheres, vítimas de todos nós. À ti, à Sandra Gomide, à Angela Diniz, à Geísa, à Daniela Perez...

" Não é preciso uma verdade nova,
uma aventura
Pra encontrar nas luzes que se acendem
um brilho eterno
E dar as mãos e dar de si além,
do próprio gesto
E descobrir feliz que o amor esconde
Outro universo. "

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